domingo, 17 de abril de 2011

Afetamento Mútuo

Também chamado de atendimento clínico individual. Que de individual não tem nada. No contexto terapêutico estão postos frente a frente dois sujeitos do desejo, dois inconscientes se falando. Dois seres humanos com disposição à mudança. Por mais mínima que seja. E mais que um afetar o outro, os dois se afetam. Os lugares são dois. E é importante que sejam diferentes.
Um traz a queixa, o outro ajuda a transformar em demanda. Os dois se debruçam sobre ela e os dois se mexem para e por causa desse esforço. Um chega trazendo os incômodos, as histórias e eventualmente a distração. O outro as perguntas, a escuta ofertada, a atenção flutuante e eventualmente o foco se ajusta na própria distração. A mobilização é ferramenta de trabalho, a reação aos poucos se refina e vai se transformando em um modo de afetar terapeuticamente. A escuta receptiva proporciona uma vivência que rompe com as que aquele teve até então. As que ambos tiveram até então. E nesse encontro com a possibilidade se fazem ressurgimentos e reelaborações. O trabalho parece ser grande dos dois lados, quase uma reprodução assistida. Às vezes se dá alguma assistência, às vezes basta assistir mesmo. Aquele que ocupa o lugar de catucador, catuca até onde o outro permite, por isso é importante desejar e estar atento ao desabrochar que ocorre ali diante de si. O que se dispôs ao catucamento se abre até onde parece seguro, até onde ele próprio se permite, por isso é importante disposição e desejo.
Antes de começar, antes de ser arremessada à prática psi a despeito de todo o meu despreparo e inexperiência... elocubrações, vontades e medos se misturavam nos meus aperreios. “Destruir a vida de um cliente” era o meu maior medo. Mas o começo me mostra que quem ocupa o lugar de queixante, carrega consigo um poder que às vezes ele próprio desconhece (e que até então eu ignorava): Ele sinaliza, ele sente, ele se expressa, ele se refaz. Em uma palavra: ele reage! E é capaz de reagir também ao suposto (não) saber do outro. Ele faz esse saber bem mais que supõe.
E o meu medo não sumiu. Certa dose de emoção e ansiedade temperam cada escuta. Porque cada escuta tem um começo, e cada começo suas elocubrações, vontades e medos. Mas o primeiro atendimento anunciou aquilo que cada atendimento subseqüente confirmaria: ser psicóloga não é ser cirurgiã. O outro que se senta diante de mim, pode se levantar. Não está anestesiado, não é um paciente e sabe de si. Ele reage, ele deseja, ele pulsa, ele faz careta, e se me indaga um pouco de si, me diz muito de si também (e de mim). Eu ocupo um lugar diferente, que me exige formação, trabalho pessoal e supervisão contínua. Mas era audácia demais achar que eu podia, sozinha, destruir a vida de outra pessoa.

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