quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Brigadeiro


Quando eu era criança achava o brigadeiro uma coisa meio mágica. Aquela pequena bolinha bonitinha era sinônimo de um prazer bem rápido, que cabia numa bocada e sumia, deixando na mão apenas uma forminha amassada. Aquela forminha era, ao mesmo tempo, testemunho do brigadeiro passado, e convite a um brigadeiro futuro.

Imaginava uma confecção dificílima. Máquinas enormes, muita gente, um trabalho sem fim. Achava eu que naquela bolinha havia milhares de ingredientes exóticos. Se não, por que motivo não haveria brigadeiro todos os dias em casa? Por que ele seria uma delícia restrita às festas de aniversário?

As explicações da minha avó só reforçavam minhas idéias mirabolantes, estilo fantástico mundo de bob, ela me explicou que dava muito trabalho enrolar as bolinhas, e que aquela lata de brigadeiro que se vende no mercado não era a mesma coisa! O gosto era diferente. Brigadeiro bom é brigadeiro feito na panela. Panela: eis aí uma pista! Depois das enormes máquinas, o brigadeiro tinha que ir pra panela!

Brigadeiro não era rotina na minha casa. Também não lembro de ter pedido, nem passava pela minha cabeça que se tratasse de uma confecção tão artesanal, tão acessível, eu achava que era uma coisa caríssima e complicadíssima! Impossível de se fazer em casa.

Até que um dia começou uma moda na escola: vender brigadeiros. Por apenas 50 centavos, eu podia ter uma bolona, que dava pra morder 3 vezes! E foi aí que se desfez parte do mistério. As meninas que levavam brigadeiro para vender, disseram que era barato, dava um bom retorno, e era fácil. Foi aí que eu comecei a fazer brigadeiro. As bolinhas eu nunca fiz, na verdade eu mal espero esfriar para comer, mas ao longo das várias panelas de brigadeiro que já fiz, já não me lembrava mais do quão difiícil eu achava que era.

Leite condensado agora já faz parte da feira, em pleno dia de semana, em pleno dia de trabalho, em pleno dia qualquer, eu posso fazer brigadeiro em casa. O que me faz pensar em quantas coisas não são tão difíceis quanto parecem, em quantas coisas sofisticadas e deliciosas, são simples,  mas é bom não saber disso sempre. Não sabendo, se imagina mais, e saber depois dá aquele sustinho de “mentira que era só isso!”, e aí o “só isso” fica pra sempre sendo muita coisa. Por isso não vou nem procurar no Google como se condensa o leite. Meu palpite é que se precise de enormes máquinas, um trabalho sem fim, quem sabe até alguns duendes...

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Não gosto muito dos fins. Sempre fui nostálgica demais e desprendida de menos. Não sei bem porque, mas sempre re-luto com finalizações. Mesmo assim sei que fim e começo andam juntos, a ponto de não sabermos mesmo onde começa um, onde acaba o outro. No fim das contas, eles são mais parecidos do que parecem na hora de acabar. Seja porque no fim, sempre vem um novo começo, seja porque no fim a gente lembra do seu começo, seja porque nos dois nos entregamos um pouco a desorientação. E nessa vida tão regrada, tão cheia de ordens, tempos, limites, pressas. Divagações e desorientações são raras e difíceis.
Deve ser isso: limites. Fim e começo demarcam limites. Limites do que cabe entre eles, limites do que vai ser possível, limites que não permitem muita flexibilidade. E limites não são fáceis. Dá vontade de burlar o tempo. E é nessas horas que vemos que somos mesmo muito transgressores, e nessa vida de limites temos sempre alguma sensação de não caber.

domingo, 17 de junho de 2012

A loucura me fascina

A loucura me encanta de uma forma louca, sobretudo essa que costumeiramente culmina em internação. Sim, porque conheço loucos que escutam voz no mar, sentem cheiro no sol, chegam até a falar para um outro imaginário, sozinhos em seu quarto! Mas trabalham e pagam contas sistematicamente e não acho provável que sejam internados. Acho encantador também (às vezes) a desorganização, a paranóia, os delírios do cotidiano. Mas aquela outra “modalidade” de loucura (a que parece mais com os manuais de psicopatologia) tem uma sensibilidade, uma vagueza, uma tendência a tranqüilidade que me tocam. Desejo e fala parecem mais próximos, as crenças parecem mais pulsantes, fronteiras temporais parecem superáveis (se houverem), a vida parece não ser tão acelerada, olhar parece mais com comunicação, a criatividade parece escorrer na forma de outros mundos possíveis a cada instante. Não, não quero mudar de loucura, não quero romantizar as loucuras tanto, às vezes eu me confundo com algumas comparações mas, sinceramente, eu gosto dessa minha loucura que dialoga criativamente com a sensatez. Talvez fosse difícil explicar de modo acessível a maioria os pensamentos e sentimentos todos, sendo “louca-cid”. E não compreender aterroriza as pessoas, elas podiam querer me tirar de circulação. E eu gosto de me comunicar, e ainda faz sentido fazê-lo, mas é mais que encanto, algumas loucuras me inspiram.

“Doutor, me dá água”

Nem verossimilhança, nem estatística bastam para conferir credibilidade ao que um louco diz, muito menos se ele pede água ao médico dentro de um hospital psiquiátrico. Vazio de resposta. Silêncio. Passos pra longe, coitado! Vai que era defesa (dele), vai que era algo recalcado (nele), vai que a mãe não deu água (a ele), sei lá...fato é que ele não deu água, não deu retorno, não deu explicação de falta d’água, não deu nem uma olhada para vê se havia sinais de desidratação. (Se houvesse ele dava até soro. Ele é médico clínico, não é médico de nhenhenhém). A louca queria água. Há quem diga que era atenção que ela queria, acho que ela demonstra assim bastante coerência. E vontade de ter atenção parece com vontade de vínculo, e não é pedido absurdo. Mas talvez fosse sede. Sede de dignidade, reconhecimento, presença, mas se ela comeu coisa salgada no almoço? E se era “só” sede? O doutor não deu água, eu também não. Não sabia onde tinha, e no meio de tanta elocubração nem pensei em procurar um bebedouro. Mas quem quiser analisar, analise! (Agora quem quer água sou eu!) nesse dia, sem perceber, eu parei em todos os filtros e bebi muita água!

Meus discos e cds e nada mais...

Apesar da tecnologia do mp3, eu ainda me delicio em pegar o cd na estante e botar no som, olhar o encarte, descobrir q eu cantava errado, escutar as musicas menos comerciais do cd, começar a cantarolar a faixa seguinte antes dela começar... eu não sou velha, sou antiga.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Página aberta de adulta aberta

A minha criança é bem espontânea e às vezes se mete nas minhas conversas de adulto. A minha criança se lambuza e se joga no que e quando sente vontade. A minha criança tem uma imaginação da gota, e uma capacidade criativa que encanta a minha adulta. A minha adulta às vezes gosta de se inspirar na minha criança. A minha criança diz que quer ser que nem a adulta quando crescer. A minha criança não tem medo que quem leia isso as ache (ela e a minha adulta) esquizofrênicas. A minha adulta tá pensando seriamente em apagar. Em não publicar, pelo menos. Mas a criança insiste, arregala os olhinhos contentes e doces e derrete a adultez da adulta. Ela faz muito isso: adultera os fatos quando precisa e as precisões quando não dá para adulterar os fatos. A minha criança é esperta, nem parece ter a idade que tem. A minha criança não tem idade, ou é a adulta que fica escondendo? A minha criança bagunça tudo quando vai brincar, e bota tudo no lugar quando a adulta pede, mas se percebe ela distraída, muda alguma coisa discretamente. A adulta chama esses momentos de “crise existencial”, a minha criança não sabe o que isso quer dizer, mas se orgulha de ter causado uma palavra tão bonita. Palavras bonitas deixam minha criança abestalhada, inventar sentidos é uma de suas brincadeiras preferidas, nessas horas ela e a adulta sentam no chão e brincam juntas. Tão juntas que quem vê nem sabe quem é quem. A adulta gosta de planejar, precaver, controlar; a criança segue o que consegue e ousa na maioria das vezes. A criança tem dúvidas e pergunta a adulta, que esclarecida que é, responde direitinho. Nessas horas a criança quer ser adulta, e a adulta gosta de ser adulta. Isso acontece também quando a adulta usa louça, vidro, alcança objetos em prateleiras altas... Mas eu gosto mesmo quando as duas se encontram, se companherizam e se ajudam. A minha adulta é meio nostálgica mas às vezes consegue gostar de ser adulta, sobretudo quando entende que isso não quer dizer o oposto de ser criança. Minha criança não entende nada disso, “oposto” para ela é o lugar em que se bota gasolina no carro. Ela gosta da adulta porque gosta e pronto. É bem filosófica a minha criança, mas quando a adulta lhe sugere ir brincar, ela vai. A adulta aproveita para ir junto. Minha criança gosta, se sente segura, mas gosta também de correr, e se esconder um pouquinho. Às vezes é engraçado ver a adulta irritada. Engraçado também é quando a adulta brinca muito e fala de uma tal de ludicidade, a criança não sabe o que é, mas sabe que é uma coisa que a adulta gosta muito. A adulta vai adultescendo, a criança benjaminbuttando. A minha criança faz perguntas em público, que ora constragem a minha adulta, ora a deixam orgulhosa e alividada “que bom que ela perguntou!”. A minha criança viu a minha página do facebook aberta e começou a escrever, a adulta gostou muito, tentou mas não conseguiu não ajeitar umas vírgulas e uns erros de português, ia reler pra ajeitar mais, mas a minha criança pediu pra ela postar logo que ela queria ir brincar e elas foram brincar antes mesmo de digitar o ponto final

domingo, 17 de abril de 2011

Ousadia apesar

Viver pesa. o peso da carne o peso do peso a pesar pesa! Apesar do peso, a vida pulsa. E a tensão de viver entre o pulsando e o pesando pesa. Há quando se tenta criar formas para lidar com o peso. Ousadia. Há quem ache que o peso não pesa. Ilusão. Mas realidade de mais cansa. E achar que se pode viver com ela sem nenhuma ilusãozinha é uma ilusãozona.